CULPA
tecido raro
última moda
corpo coberto
de pano e culpa
mentira e classe
dono da rua
de mais a roupa
de menos o homem
Jorge Ventura
PONTO DE CRUZ
choro
a erosão
do tempo
traçado
em ravinas
sei do que é
deserto:
o caminho
do homem
a vida é trama
dedicada à seca
entrelaçam-se
desmandos
desenganos
desenredos
no horizonte
de esperas
o sertão bordado
de mandacarus
escrevo meu rumo
no ponto de cruz
Jorge Ventura
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CRUEZA
sou língua de sal
não poupo palavras
em mim nenhum Deus
em mim só um homem
que peca e execra
e desfeito em dores
sobrevive a quedas
sem nenhum pudor
à sorte me atrevo
só creio em meus atos
vejo o que não devo:
o osso em vez da carne
Jorge Ventura
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ORIGAMI
Quando a ideia me perturba,
entre o barulho e o silêncio,
tudo é um só contrassenso.
Que inocência ou culpa
virá em vão me julgar
neste papel tumular?
Reparto em dobras meus textos,
discursos e manuscritos
(de abismos e de delírios),
nas páginas, palimpsestos.
Reparto também a folha,
metade doutra metade,
do que é múltiplo e arte.
E antes que a ideia se recolha
e a angústia vire bolha
e o papel retorne seda,
nas dobraduras das letras,
o verso assim se desdobra.
Pois toda palavra é obra
pra muito além do poema.
Jorge Ventura
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