terça-feira, 22 de julho de 2014

Quatro poemas de Jorge Ventura

CULPA

 

tecido raro

última moda

 

corpo coberto

de pano e culpa

 

mentira e classe

dono da rua

 

de mais a roupa

de menos o homem

 

                 Jorge Ventura


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 PONTO DE CRUZ

 

choro

a erosão

do tempo

traçado

em ravinas

 

sei do que é

deserto:

o caminho

do homem

 

a vida é trama

dedicada à seca

 

entrelaçam-se 

desmandos

desenganos

desenredos

 

no horizonte

de esperas

o sertão bordado

de mandacarus

 

escrevo meu rumo

no ponto de  cruz

 

 

             Jorge Ventura


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CRUEZA

 

sou língua de sal

não poupo palavras

 

em mim nenhum Deus

 

em mim só um homem

que peca e execra

 

e desfeito em dores

sobrevive a quedas

sem nenhum pudor

 

à sorte me atrevo

só creio em meus atos

 

vejo o que não devo:

o osso em vez da carne


                Jorge Ventura


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ORIGAMI

 

Quando a ideia me perturba,

entre o barulho e o silêncio,

tudo é um só contrassenso.

Que inocência ou culpa

virá em vão me julgar

neste papel tumular?

Reparto em dobras meus textos,

discursos e manuscritos

(de abismos e de delírios),

nas páginas, palimpsestos.

 

Reparto também a folha,

metade doutra metade,

do que é múltiplo e arte.

E antes que a ideia se recolha

e a angústia vire bolha

e o papel retorne seda,

nas dobraduras das letras,

o verso assim se desdobra.

Pois toda palavra é obra

pra muito além do poema.

            

                Jorge Ventura



 


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