Constructor sui
(para as mulheres que precisam se construir a cada dia)
Trago rugas no rosto, não trago rugas na alma.
Esta, conservo intacta, apesar dos desvarios.
Tratada com delicadeza, aconchego e atavios.
E vou lhe dizer o porquê.
Escute com atenção, o a-bê-cê desta mulher madura,
mistura de santa e puta,
mistura de carnaval e clausura:
meus seios mataram a fome de homens e de crianças;
o ventre, meu ninho/minha gruta, já não tão liso,
gerou os filhos que irão me continuar;
os vincos de meu rosto, uma paisagem
com rios que correm formando trilhas,
são os risos, as lágrimas, as gargalhadas que derramei;
o olhar, um tanto opaco, revela tudo o que eu passei.
Mas estejam certos: busquei sempre a felicidade,
esta estranha palavra que demorei tanto a entender.
Sou ainda a menina assombrada com a vida.
Tenho um coração que palpita, salta, transborda
Apaixono-me, desmesuradamente, por tudo que faço ou toco:
bicho, planta, planos, gente.
Sou o sonho, sou o susto, sou mais sábia.
Uma sabiá que pela Via-Láctea faz firulas.
Que não teme o novo nem a aventura.
Uma sabiá que faz ninho no telhado.
Se aquieta e aprende com o passado.
Assim eu sou. Eu sou assim.
Um ser que se transforma até o fim.
Que transgride, se acomoda.
E nesta contradição, de maneira surpreendente,
me construo, sempre, sempre.
Eu sou aquela do espelho:
mais gorda, mais inteligente, mais generosa.
Sou importante para alguns, sou importante para mim.
Instauro o meu domínio. Decido até onde ir.
Transgrido. Sofro. Estou viva.
Todos os dramas humanos são meus.
Toda alegria da vida é minha.
Vida, esta grande viagem, dia a dia, mês a mês,
onde somos aprendizes e PhDês.
Meu peito caiu? Não faz mal.
Sou tudo de bom. Sou inteira.
Mulher/sabiá-laranjeira.
Mulher/mistério. Abissal.
Laura Esteves
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