Um programa sobre Hélio Oiticica e Almandrade
você pode ouvir no seu computador,
dia 18 / 10 às 15h20. (quinta-feira)
Rita Alves
http://www.bienal.org.br/30bienal/pt/Paginas/radio.html
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Entrevista com Almandrade
Uma entrevista de LUIZA VIANA
Luiza Viana - Como definiria sua obra - pinturas, objetos, esculturas (no sentido também da evolução de seu trabalho). Poderia fazer uma ponte com o que é característico de sua linguagem poética?
Almandrade - O rigor e a limpeza gráfica sempre foram para mim uma obsessão. Trabalho com poucos elementos, o mínimo de gestos, poucas palavras (poesia). Comecei no início da década de 70 entre a arte conceitual e a arte construtiva, não sei se devo falar em evolução, talvez transformação. Tenho utilizado vários suportes: pintura, escultura, desenho, instalação e a palavra no caso da poesia, sem misturar uma coisa com a outra, seguindo um método de trabalho.Nos anos 70 falava de "arte contemporânea", hoje um termo sucateado. O que sempre me preocupou foi a arte como lugar de reflexão específica.
Luiza Viana - O que o impele a uma obra plástica ou à poesia?
Almandrade - Um desvio sem uma explicação "lógica". Fiz arquitetura, trabalhei com planejamento urbano, fiz mestrado em desenho urbano, mas sempre fui seduzido pelas artes plásticas e pela poesia. Não consegui me livrar dos seus efeitos.
Luiza Viana - Gostaríamos que falasse sobre seu encontro com Hélio Oiticica (é sempre bom reavivar a memória num país que não valoriza seu passado cultural, mesmo o mais recente). Pode fazer um paralelo entre sua obra e a do Hélio?
Almandrade - Estive com Hélio algumas vezes depois que ele voltou a morar no Rio de Janeiro, mas encontros rápidos. Em Recife, julho de 1979, ficamos quase uma semana no Festival de Inverno, eu fazendo uma exposição e ele convidado para fazer um trabalho com "parangolé", foi quando ele se interessou pelos meus objetos da exposição e ficamos mais amigos. È difícil fazer um paralelo, eu ainda estou construindo um trabalho e a obra do Hélio já é parte da história, seria muita pretensão de minha parte. Nas nossas conversas, sobre o trabalho dele e o que eu estava fazendo, chegamos a falar no uso do corpo nos trabalhos dele (labirintos, parangolé...) e no caso das minhas instalações, no uso do olho...
Luiza Viana - Décio Pignatari, a respeito de seu trabalho fala em "objetos franciscanamente... desenhados" e "grafia de cartilha, porém engenhosamente... simplista, posto que metafísica"; você aponta para a necessidade um "espectador asceta" que se queira perder no jogo inútil da obra. Soa estranho o uso de palavras de cunho religioso na análise da arte contemporânea.
Almandrade - O espectador de arte não é um espectador ingênuo. É preciso um olhar habilitado. O Décio, inteligentemente se utiliza do conceito "franciscanamente" para falar das condições materiais do trabalho, dos objetos, não são materiais nobres, são materiais "pobres": pedaços de madeira, papelão... construídos com uma aparente fácil engenharia, sem muitos recursos, mas sem sacrificar a precisão conceitual. Poderia ser também interpretado "religiosamente desenhados".
Luiza Viana - Pode falar mais extensamente sobre sua poesia? (poesia concreta, poema visual; o arquiteto, o professor de teoria da arte, o artista plástico participam de alguma forma no seu fazer poético: os temas, o olhar, o uso de vocábulos determinados, etc.
Almandrade - Comecei participando de grupo de poesia quando era estudante de colégio, mas a pintura sempre me convidava. Através da poesia concreta e do poema processo descobri a arte construtiva e depois a arte conceitual e acabei desenvolvendo um trabalho à margem do circuito cultural baiano. Sou arquiteto de formação, gosto de trabalhar com a cidade, a arquitetura. Trabalhar como professor foi uma conseqüência de minhas preocupações com o discurso sobre a arte... Quando comecei em Salvador na década de 70, eu tinha que ser o artista e o crítico, para enfrentar a rejeição da província.Todo trabalho cultural é resultado de outros trabalhos. A minha poesia e minha arte são resultados da minha formação, das minhas contradições e de tudo que vi e vejo, de tudo que li e leio.
Luiza Viana - No seu livro "Obscuridades do Riso" a emoção do escritor vem mais à tona?
Almandrade - Este é um livrinho precariamente editado (sem revisão, cheio de erros) em 82. São pequenos fragmentos escritos entre 1977 e 80. Não sei se vem à tona a emoção, são textos livres, sem um tema. Nesta época eu estava lendo: Bataille, Lautréamont, Michaux, Nietzsche..
Luiza Viana - Oscar Wilde coloca que "a vida artística nada mais é que a transformação do próprio artista". O que acha sobre isso?
Almandrade - O trabalho de arte é um processo, é resultado de uma vida de trabalho, como diz Bachelard: "O verdadeiro destino de um grande artista éum destino do trabalho". E assim a vida e a obra se desenvolvem com a experiência do tempo.
Luiza Viana - Pensando no seu artigo "O País da Política" publicado no jornal panorama - podemos ter esperanças que esta república em que vivemos possa nos pertencer num futuro próximo? A "democracia" em que estamos mergulhados poderá dar certo algum dia?
Almandrade - Não sei, diante da mídia formando opinião. Um dia eu li o seguinte comentário provocativo: "Se a democracia deu certo algum dia, foi na Grécia Antiga". Mas isto é assunto para especialista em política. - E a poesia, será que vai sobreviver?
entrevista publicada no jornal PANORAMA - Rio de Janeiro, junho/julho 2003
http://www.jornal.panorama.nom.br
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