ELES E ELAS
(Armando Carvalho)
Ele resmungava impropérios dirigidos à mulher ausente. O atraso devia ser grande. O carro, sob a árvore podada, esperava tranqüilo, frio pelo tempo da espera. O cão, ao longe, se aproximava atraído pelo cheiro forte do pneu. Vociferava tanto que os grunhidos ultrapassavam os limites da praça. O carro, se pudesse, buzinaria forte e pediria calma. Ele mijou na base da árvore que só esperava água limpa. O cão, já ali, fez o mesmo no cobiçado pneu. A árvore fechou o resto de seu guarda-chuva e torceu pra chover. A mulher chegou e entrou no carro. Um vento desequilibrado arrependeu-se de passar as mãos nas folhas dela.
Ele latia tanto que ele pensava em fugir já que ela, de corpo ainda esbelto, se esgueirava do vento. Ele cheirava a mijo e estendia seu único braço num esmo de desequilíbrio. Quando ela chegou, fez-se o esperado final. Ele ficou quieto, ao lado dela, lambendo suas próprias tetas. Suas patas, de unhas pintadas, deformavam o chão, como raízes aéreas. Ele, sintético, sabia que não encolheria, já que, na tevê da fábrica , ele passara por atoleiros, incólume.
Do ânus reto e metálico pingavam gotas de gasolina azul. Era o único homem do cenário.
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