Laura Esteves




Laura Esteves, poeta e contista, nasceu e vive no Rio de Janeiro. Pertence ao grupo Poesia Simplesmente. Seu primeiro livro de poemas, Transgressão, foi editado pela Sette Letras, em 1997. O segundo, um romance memorialista lançado em dezembro de 1998, O sabor, o saber e o sonho: a fome secular dos Oliveira. Como água que brota na fonte, poesia, ( Editora Barcarola, outubro de 2000 ) foi seu terceiro livro. Em 2005, publicou um livro de contos: A mulher, a pedra. (Editora Ibis Libris). Em 2006, lançou Rastros - poemas escolhidos ( Edições Sindicato dos Escritores). E em 2007, O dia em que as mulheres voaram, contos ( Editora Íbis Libris). Finalmente, em 2008, Cinquenta poemas escolhidos ( Editora Galo Branco ).
Laura colaborou com o Jornal Rio Letras. Curadora do Forum Poesia ( UFRJ ) durante três anos ( 2005, 2006 e 2007), foi uma das premiadas do “Concurso Contos do Rio”/2004, do jornal “O Globo”. É conselheira do Sindicato dos Escritores do Rio de Janeiro e da União Brasileira de Escritores. Pertence ao Pen Clube desde 2007.

---------------------------------------

COMUNHÃO

Minha caneca de ágata
era de um azul-que-não-mais-existe.
Agora, só na minha memória,
nesta vontade de voltar ao Engenho-Novo,
puxar a saia da mãe
e receber a caneca de suas mãos:
o pão molhado no café-com-leite.
Minha hóstia. Aqui, mãe: eu necessito.

                             Laura Esteves

------------------------------------------------------

O POEMA

Ferido de mortal beleza
             (Mário Quintana)

Um poema como a água do arroio, entre as pedras, no piquenique de domingo.
Como o som de um violino, rompendo a madrugada chuvosa, numa estreita rua de Viena.
Um poema silêncio.
Sem outra condição que não a de ser apenas um poema.
Ferido de mortal beleza.
Nascendo para a vida.
Pronto.
Alçando vôo.

                      Laura Esteves

----------------------------------------------

Lobisowoman


Desvairada, arranho tua aura com unhas de siamesa.
Corça, atravesso tua rua e teu corpo de um salto.
lambo tua nuca com língua de tigresa.
Estraçalho tua roupa com meu canino dente.
Égua, te enlouqueço em meu galope.
Saciada a fêmea, me protejo em teu colo:
mulher/menina/adolescente.
Ah! Mas, não tem jeito...
é da minha essência,
da minha natureza.
Me transformo, novamente:
gata/corça/cadela/égua/tigresa.
E, te devoro num instante,
com unhas, dentes/tridentes,
nessa mesa de banquete.

               Laura Esteves
              (50 Poemas Escolhidos/ Edições Galo Branco )

-------------------------------------------------------------------------------

Em algum lugar do futuro


Saio do esconderijo.
Deixo, para sempre, minha caverna de eremita.
Depois de tantos anos, depois de tantos planos,
tomo coragem e mergulho na roda dentada.
Eu me trituro.
Na queda vejo um menino triste no centésimo andar
E a noiva intergalática, mais rápida que um cometa.
Nuvens de gás tomam conta da cidade.
Eu me sufoco.
Animais robôs executam passos num estranho balé.
Somente os ratos são verdadeiros:
devoram carnes e ossos dos caídos nas calçadas.
Eu sinto medo.
Muita pressa, igual à noiva que corria pelos ares.
Meu Deus, em busca de quê?
Não me respondem, ninguém me vê.
Eu quero afeto.
O garoto do centésimo andar ainda me fita.
De repente, um sorriso, um piscar de olhos.
Os cinco dedinhos no ar, num gesto de carinho.
Estou salvo, penso.
Preciso desse menino.

                              Laura Esteves